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Cortisol e glicose sanguínea: uma relação de amor verdadeiro.

Nesse segundo post da série sobre o cortisol, vamos discutir algumas das funções desempenhadas por esse hormônio no nosso organismo. Nesse texto, provavelmente vamos falar mais bioquimiquês, ou seja, uma linguagem um pouco mais técnica. De qualquer maneira, uma leitura superficial já pode trazer um entendimento muito bom sobre o papel desse hormônio nas nossas vidas.

1)      Aumento da glicose sanguínea

Esse é o chamado efeito diabetogênico do cortisol. Não que ele cause diabetes, mas simplesmente aumenta a glicemia, ou seja, os níveis sorológicos de glicose, o que faz muito sentido, já que, em situações de stress, é natural utilizarmos mais energia do que quando você está na poltrona de sua casa, ouvindo Schubert e comendo bananinha amassada. Agora, é um erro acharmos que o aumento da disponibilidade de glicose no sangue servirá para todos os nossos órgãos trabalharem mais. Essa hiperglicemia induzida se dá para que o cérebro utilize essa energia, já que ele sozinho é responsável por 10% a 20% do consumo energético no nosso dia-a-dia.

Ok, agora como você sabe que essa glicose não é para os outros tecidos do corpo?

Então, esse aumento na taxa glicêmica se dá justamente porque o cortisol inibe a absorção de glicose nos tecidos. Alguns estudos demonstram que a manutenção dos níveis séricos de cortisol relativos a estados de stress prejudica a função dos transportadores celulares de glicose (GLUT4), que funcionam à base de insulina. Daí a resistência periférica à insulina, que é mais um motivo para chamarmos o cortisol de diabetogênico.

Beleza, mas de onde o cortisol arruma essa glicose toda?

O aumento da glicemia causado pelo cortisol vem da gliconeogênese, que é um processo de transformação de aminoácidos (resíduos de proteínas), de lactato e de glicerol (resíduo da degradação de lipídeos) em glicose. Nosso querido hormônio estimula e potencializa praticamente todas as etapas da via gliconeogênica no fígado. E só no fígado, já que, se fosse no músculo, a glicose produzida se destinaria apenas a ele, e não ao sangue.

Ok, vamos lá, pensa comigo: o cortisol aumenta a gliconeogênese. A gliconeogênese transforma, entre outras coisas, proteína em açúcar (glicose). Para a proteína virar glicose, eu preciso antes quebrá-la em pedacinhos, os aminoácidos. Sendo assim, o cortisol promove a quebra de proteínas, certo? CERTO, MEU GAROTO! O cortisol é um hormônio proteolítico, estimulando a degradação proteica especialmente nos músculos, onde a gente tem proteína pra dar, vender e alugar.

Agora pensa comigo de novo: O cortisol aumenta a gliconeogênese. A gliconeogênese transforma, entre outras coisas, glicerol em glicose. O glicerol é proveniente da degradação de triacilgliceróis, a forma mais comum de gordura no corpo. Sendo assim, o cortisol promove a quebra de gorduras, certo? CERTO, MEU AMIGÃO! É corretíssimo dizer que o cortisol é um hormônio que estimula a lipólise, sim. O glicerol é utilizado na gliconeogênese hepática e os ácidos graxos restantes são oxidados para gerar energia para os vários outros tecidos, incluindo os nossos músculos.

Tá, mas e o lactato?

Outra coisa interessante a ser dita sobre a gliconeogênese estimulada pelo cortisol é a via de utilização do lactato, vulgo ácido láctico. Em situações de stress, é esperado que utilizemos bastante os nossos músculos. Só que, não raro, a taxa de oxigênio disponível para oxidação completa da glicose não é suficiente nesses tecidos, nessa situações. Por isso, o músculo acaba entrando, em parte, na via metabólica da degradação anaeróbia da glicose, gerando e acumulando o lactato, que pode ser prejudicial ao correto funcionamento desse tecido dependendo de sua concentração. A vantagem que temos aí, quando o cortisol estimula a taxa de gliconeogênese, é que essa função serve como um escoamento para o lactato muscular, evitando os efeitos indesejáveis do seu acúmulo, entre eles as dores musculares, que podem fazer com que você, fatalmente, venha a sentir os perdigotos de saliva daquele tigre dente-de-sabre do primeiro post.

Gostei, agora quero mais!

Para terminar esse momento tão lindo e emocionante, vamos concluir mais alguns outros aspectos do controle glicêmico exercido pelo cortisol.

a)      Se a gente olhar direitinho, a característica diabetogênica do cortisol se assemelha bastante aos sintomas da Síndrome Metabólica. Primeiro, a glicemia aumentada. Segundo, a indução à resistência periférica à insulina. Além desses dois, sabe-se que a manutenção dos níveis de cortisol causa o aumento da deposição de gordura abdominal, dislipidemia, microalbuminúria (excreção diminuída de albumina na urina, já que o cortisol é transportado em grande parte associado a essa proteína) e intolerância à glicose. Beleza, parece mesmo. E daí? E daí que alguns estudos têm mostrado que, no quadro de Síndrome Metabólica, é comum notar-se uma hipersensibilidade dos tecidos em relação a glicocorticóides. Entre as pesquisas para tratamentos desse distúrbio estão justamente tentativas de reduzir a concentração de glicocorticóides nesses tecidos através de manipulações enzimáticas e proteicas. Viu que legal?

b)      O que acontece quando você aumenta significativamente a concentração de uma molécula como a glicose no nosso sangue? O aumento da pressão sanguínea. É importante notar que esse não é o único mecanismo pelo qual o cortisol aumenta a pressão sanguínea, outros serão falados em outros posts. Mas sim, o cortisol é um hormônio que eleva a nossa pressão.

Nossa, parece simples! Adorei!

É claro que o estudo do papel do cortisol no metabolismo da glicose no organismo pode ser muito mais complexo. Ainda há muitos pontos a serem explicados, esclarecidos e até desvendados, mas, por enquanto, a gente para por aqui, que ainda virão mais funções pra gente conversar nos próximos posts :)

Fontes:

Uso da glicose pelo cérebro:
http://www.fi.edu/learn/brain/carbs.html
http://www.livescience.com/3186-brain-food-eat-smart.html

Clique para acessar o jcinvest00272-0077.pdf

Inibição da incorporação celular de glicose:
http://jamespendleton.suite101.com/cortisol-a106593
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17426391
http://www.vivo.colostate.edu/hbooks/pathphys/endocrine/adrenal/gluco.html

Efeito diabetogênico:
Baynes & Dominiczak, Bioquímica Médica. 1ª Edição, 2000.

Clique para acessar o 1002094.pdf

Relação do cortisol com a síndrome metabólica:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2362.2008.02067.x/abstract

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