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Sobre o cortisol, o tigre dente-de-sabre e a sua vida cotidiana.

Por que você, estudante de Gestão do Agronegócio, ou motorista de ônibus, ou estivador de um porto, ou professor de Cálculo 1, ou vendedor de pastel, deveria tirar seu tempo precioso para ler sobre o Cortisol? O que essa substância química tem a ver com a sua vida diária?

Eu, Vinicius Moreira, estou para tentar responder essa pergunta, nesse post que servirá como uma introdução ao estudo do cortisol e sua influência no nosso organismo.

O Cortisol é um hormônio (uma substância química que regula nosso organismo) produzido por uma massinha presente em cima de cada um dos nossos rins, as glândulas suprarrenais. Essa substância tem uma importância significativa justamente porque não tem uma só função. Pelo contrário, ela regula um monte de aspectos que ajudam nosso corpo a funcionar direito.

Hormônio do stress?

A patotinha que estuda esse hormônio costuma chamá-lo de hormônio do stress. Uma alcunha bem apropriada, pois nosso cérebro manda as suprarrenais produzirem cortisol e lançarem ele no sangue justamente nos momentos em que estamos estressados por algum motivo. Agora, stress do organismo, originalmente, está ligado a situações em que nossa vida está ameaçada. Sendo assim, ou você luta contra sua ameaça, ou você foge dela, a chamada resposta de luta ou fuga (em inglês fica muito mais legal: fight or flight response), que é a resposta bioquímica e fisiológica que um organismo dá quando está ameaçado. É tipo quando o seu tataravó da idade das pedras saía pra caçar e se deparava com um tigre dente-de-sabre. Subia aquela adrenalina louca, o cortisol era produzido rapidamente em cima dos rins, e 1) ou o camarada corria desesperadamente ou 2) era macho e encarava o tigre, levava pra casa e cozinhava uma bela sopa.

Que fofo, não é mesmo?

Já nos dias de hoje, o conceito de stress se ampliou bastante, afinal de contas, você não vai encontrar um dente-de-sabre faminto babando em plena Avenida Paulista, eu sei, mas vai encontrar um chefe imbecil, um filho que vai mal na escola, uma semana de 5 provas seguidas na faculdade ou 30km de trânsito congestionado bem quando você está atrasado para o trabalho. Isso é o stress da atualidade. E esse stress também estimula seu corpo a produzir cortisol.

Sabendo que a enorme maioria de nós vive uma vida estressante, que é a vida das grandes cidades, e sabendo que o cortisol é o hormônio do stress… OPA, é fácil perceber que o seu modo de viver é moldado, em boa parte, pelo cortisol que suas suprarrenais secretam na corrente sanguínea todo santo dia, não é?

Agora, se eu já te convenci da importância de entender o cortisol e suas diversas ações no corpo da gente, pode passar pro próximo post da série e dar uma olhada com calma em cada uma das funções que esse hormônio desempenha no seu, no meu, no nosso organismo.

Referências do post:

http://stress.about.com/od/stresshealth/a/cortisol.htm (acesso em 20/11/2011)

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Cortisol e glicose sanguínea: uma relação de amor verdadeiro.

Nesse segundo post da série sobre o cortisol, vamos discutir algumas das funções desempenhadas por esse hormônio no nosso organismo. Nesse texto, provavelmente vamos falar mais bioquimiquês, ou seja, uma linguagem um pouco mais técnica. De qualquer maneira, uma leitura superficial já pode trazer um entendimento muito bom sobre o papel desse hormônio nas nossas vidas.

1)      Aumento da glicose sanguínea

Esse é o chamado efeito diabetogênico do cortisol. Não que ele cause diabetes, mas simplesmente aumenta a glicemia, ou seja, os níveis sorológicos de glicose, o que faz muito sentido, já que, em situações de stress, é natural utilizarmos mais energia do que quando você está na poltrona de sua casa, ouvindo Schubert e comendo bananinha amassada. Agora, é um erro acharmos que o aumento da disponibilidade de glicose no sangue servirá para todos os nossos órgãos trabalharem mais. Essa hiperglicemia induzida se dá para que o cérebro utilize essa energia, já que ele sozinho é responsável por 10% a 20% do consumo energético no nosso dia-a-dia.

Ok, agora como você sabe que essa glicose não é para os outros tecidos do corpo?

Então, esse aumento na taxa glicêmica se dá justamente porque o cortisol inibe a absorção de glicose nos tecidos. Alguns estudos demonstram que a manutenção dos níveis séricos de cortisol relativos a estados de stress prejudica a função dos transportadores celulares de glicose (GLUT4), que funcionam à base de insulina. Daí a resistência periférica à insulina, que é mais um motivo para chamarmos o cortisol de diabetogênico.

Beleza, mas de onde o cortisol arruma essa glicose toda?

O aumento da glicemia causado pelo cortisol vem da gliconeogênese, que é um processo de transformação de aminoácidos (resíduos de proteínas), de lactato e de glicerol (resíduo da degradação de lipídeos) em glicose. Nosso querido hormônio estimula e potencializa praticamente todas as etapas da via gliconeogênica no fígado. E só no fígado, já que, se fosse no músculo, a glicose produzida se destinaria apenas a ele, e não ao sangue.

Ok, vamos lá, pensa comigo: o cortisol aumenta a gliconeogênese. A gliconeogênese transforma, entre outras coisas, proteína em açúcar (glicose). Para a proteína virar glicose, eu preciso antes quebrá-la em pedacinhos, os aminoácidos. Sendo assim, o cortisol promove a quebra de proteínas, certo? CERTO, MEU GAROTO! O cortisol é um hormônio proteolítico, estimulando a degradação proteica especialmente nos músculos, onde a gente tem proteína pra dar, vender e alugar.

Agora pensa comigo de novo: O cortisol aumenta a gliconeogênese. A gliconeogênese transforma, entre outras coisas, glicerol em glicose. O glicerol é proveniente da degradação de triacilgliceróis, a forma mais comum de gordura no corpo. Sendo assim, o cortisol promove a quebra de gorduras, certo? CERTO, MEU AMIGÃO! É corretíssimo dizer que o cortisol é um hormônio que estimula a lipólise, sim. O glicerol é utilizado na gliconeogênese hepática e os ácidos graxos restantes são oxidados para gerar energia para os vários outros tecidos, incluindo os nossos músculos.

Tá, mas e o lactato?

Outra coisa interessante a ser dita sobre a gliconeogênese estimulada pelo cortisol é a via de utilização do lactato, vulgo ácido láctico. Em situações de stress, é esperado que utilizemos bastante os nossos músculos. Só que, não raro, a taxa de oxigênio disponível para oxidação completa da glicose não é suficiente nesses tecidos, nessa situações. Por isso, o músculo acaba entrando, em parte, na via metabólica da degradação anaeróbia da glicose, gerando e acumulando o lactato, que pode ser prejudicial ao correto funcionamento desse tecido dependendo de sua concentração. A vantagem que temos aí, quando o cortisol estimula a taxa de gliconeogênese, é que essa função serve como um escoamento para o lactato muscular, evitando os efeitos indesejáveis do seu acúmulo, entre eles as dores musculares, que podem fazer com que você, fatalmente, venha a sentir os perdigotos de saliva daquele tigre dente-de-sabre do primeiro post.

Gostei, agora quero mais!

Para terminar esse momento tão lindo e emocionante, vamos concluir mais alguns outros aspectos do controle glicêmico exercido pelo cortisol.

a)      Se a gente olhar direitinho, a característica diabetogênica do cortisol se assemelha bastante aos sintomas da Síndrome Metabólica. Primeiro, a glicemia aumentada. Segundo, a indução à resistência periférica à insulina. Além desses dois, sabe-se que a manutenção dos níveis de cortisol causa o aumento da deposição de gordura abdominal, dislipidemia, microalbuminúria (excreção diminuída de albumina na urina, já que o cortisol é transportado em grande parte associado a essa proteína) e intolerância à glicose. Beleza, parece mesmo. E daí? E daí que alguns estudos têm mostrado que, no quadro de Síndrome Metabólica, é comum notar-se uma hipersensibilidade dos tecidos em relação a glicocorticóides. Entre as pesquisas para tratamentos desse distúrbio estão justamente tentativas de reduzir a concentração de glicocorticóides nesses tecidos através de manipulações enzimáticas e proteicas. Viu que legal?

b)      O que acontece quando você aumenta significativamente a concentração de uma molécula como a glicose no nosso sangue? O aumento da pressão sanguínea. É importante notar que esse não é o único mecanismo pelo qual o cortisol aumenta a pressão sanguínea, outros serão falados em outros posts. Mas sim, o cortisol é um hormônio que eleva a nossa pressão.

Nossa, parece simples! Adorei!

É claro que o estudo do papel do cortisol no metabolismo da glicose no organismo pode ser muito mais complexo. Ainda há muitos pontos a serem explicados, esclarecidos e até desvendados, mas, por enquanto, a gente para por aqui, que ainda virão mais funções pra gente conversar nos próximos posts :)

Fontes:

Uso da glicose pelo cérebro:
http://www.fi.edu/learn/brain/carbs.html
http://www.livescience.com/3186-brain-food-eat-smart.html

Clique para acessar o jcinvest00272-0077.pdf

Inibição da incorporação celular de glicose:
http://jamespendleton.suite101.com/cortisol-a106593
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17426391
http://www.vivo.colostate.edu/hbooks/pathphys/endocrine/adrenal/gluco.html

Efeito diabetogênico:
Baynes & Dominiczak, Bioquímica Médica. 1ª Edição, 2000.

Clique para acessar o 1002094.pdf

Relação do cortisol com a síndrome metabólica:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2362.2008.02067.x/abstract

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