Arquivo do autor:Vinicius Moreira

Síndrome de Cushing – quando a suprarrenal trabalha demais

Não é qualquer um que tem a cara estampada num selo, minha gente.

 

Harvey Williams Cushing era o cara. Estudou Artes em Yale, Medicina em Harvard, internato no Massachusetts General Hospital e residência no Johns Hopkins. Em 1979 morreu, aos 70 anos, o homem considerado o pai da neurocirurgia moderna.

O negócio, amiguinhos, é que o pai da neurocirurgia também é o tio-avô da endocrinologia. Uma das maiores contribuições da carreira de Will foi descrever a Síndrome de Cushing.

QUE QUE ISSO?

A Síndrome de Cushing é um quadro clínico típico que ocorre quando as glândulas suprarrenais estão em situação hipersecretante, ou seja, estão estão trabalhando além do necessário.

 

MAS POR QUE?

O que você já sabe é que as adrenais são motivadas a trabalhar a partir da secreção de ACTH (hormônio adrenocorticotrópico), vindo da hipófise, que, por sua vez, é estimulada pelo CRH (hormônio liberador de corticotrofina), secretado pelo hipotálamo. Agora que você já lembrou o que você já sabia, vamos entender porque as adrenais trabalham demais às vezes:

1)      Problemas no eixo hipotalâmico-hipofisário

O eixo hipotalâmico-hipofisário (EHH) é o chefe das adrenais. E, às vezes, como todo chefe, ele dorme de calça jeans e desconta nos funcionários, manda e desmanda. É bem o caso de um tumor na hipófise, quadro clínico de 90% dos casos de Síndrome de Cushing.

De onde vem esse tumor maldito?
Uma explicação plausível pra ocorrência de um tumor hipofisário nesse caso é justamente a hipersecreção de CRH pelo hipotálamo, que é, na nossa história, o chefe do chefe. Essa hiperestimulação da hipófise pode acabar gerando um hiperplasia (crescimento anormal) e, posteriormente, a formação de um tumor. Esse tumor vai crescendo até achar que já tá grandinho o suficiente, fica revoltado e para de ser controlado pelos fatores reguladores do sistema nervoso central e pelos níveis séricos de cortisol (que deveriam contrabalancear o estímulo à sua produção).

E aí, como você sabe se um tumor hipofisário é causado ou não por influência do CRH hipotalâmico? Simples, faz assim ó: acompanha o paciente em longo prazo. Remova o tumor hipofisário (a cirurgia é feita pelo nariz, acredite se quiser. Enfiando uma cânula lá no fundo e roendo um ossinho chamado esfenóide, você chega no lugar do cérebro certinho onde fica a hipófise!) e verifique ao longo do tempo se há nova formação de tumor. Se o tratamento for adequado e houver recidiva, provavelmente o hipotálamo está influenciando no processo.

2)      Produção ectópica de ACTH ou CRH

“Ectópico” significa “fora do lugar onde deveria estar”. Ou seja, os hormônios-chefe da suprarrenal estão aparecendo em algum outro lugar que não no EHH. Essa secreção ectópica é realizada por tumores. Esses safadinhos secretam substâncias proteicas indistinguíveis bioquimicamente daqueles ACTH e do CRH provenientes do cérebro. Pra piorar, normalmente os sinais e sintomas característicos da síndrome estão ausentes nesse caso, prevalecendo apenas intolerância à glicose e a acidose sanguínea, com baixos níveis de potássio. Esses tumores normalmente se localizam nos brônquios, timo, pâncreas ou ovários. Como a secreção se ACTH, nesse caso, é acompanhada de níveis sanguíneos altos de substâncias precursoras desse hormônio, é natural que elas exerçam também o mesmo efeito do próprio ACTH, que é a hiperpigmentação da pele. Pelo menos nesse caso a gente sabe que o tumor não se localiza na suprarrenal, restando como possibilidades o cérebro (secreção de ACTH hipofisário) ou um outro tumor de secreção ectópica.

3)      Neoplasias das próprias glândulas suprarrenais

O problema também pode ser em quem faz o trabalho, ao invés de quem manda. Em geral, essas neoplasias são unilaterais, ou seja, ocorrem em apenas uma das duas glândulas. Esse quadro ocorre em 20 a 25 porcento dos casos de Síndrome de Cushing, sendo que metade das vezes, essa neoplasia é maligna. Uma causa comum desses tumores é uma doença genética auto-imune, a displasia cortical multinodular pigmentada, que causa neoplasias nodulares nas suprarrenais. O nome “pigmentada” é porque, em algumas ocasiões, os pacientes apresentam características semelhantes à secreção aumentada de ACTH, como a hiperpigmentação cutânea (que eu já falei ali em cima).

4)      Causas iatrogênicas

Essa é a causa mais comum, na verdade. Iatrogênico é o nome que a gente dá quando a causa de uma condição é proveniente do próprio tratamento que se dá a determinada doença. Um erro médico, por exemplo, é uma fator iatrogênico. Nesse caso, o problema é a administração acentuada de esteróides por algum motivo. A Síndrome de Cushing iatrogênica é bem fácil de ser identificada e tratada, basta se basear num exame de sangue simples e num histórico clínico e controlar a medicação tomada.

E QUAIS SÃO OS SINTOMAS?

Aspecto das estrias cutâneas abdominais

 

A secreção aumentada de cortisol mobiliza tecidos periféricos que sustentam nosso corpo, ricos em proteínas, para realizar a gliconeogênese, tá lembrado? Então. Essa mobilização é como se eu utilizasse lascas da parede do meu quarto pra fazer um castelinho. Logo logo essa parede vai enfraquecer. Esse enfraquecimento, quando é muscular, causa fadiga e cansaço rápido, sintoma bem freqüente da doença. Quando é relativo aos ossos, causa osteoporose, outra situação típica que, às vezes, chega a gerar fraturas patológicas. Quando são das fibras de colágeno da nossa pele, faz com que o paciente tenha hematomas freqüentes, devido a uma fragilização dessas estruturas que dão firmeza ao maior órgão do corpo. Outra característica típica da síndrome é a deposição de gordura em locais bem específicos, como o tronco, causando a obesidade central; e a área entre as escápulas, pegando desde o pescoço até as costas, gerando a chamada “giba de búfalo” (caso você não saiba o que é isso, digite búfalo no Google Imagens e veja você mesmo). Outro lugar onde a gordura tende a se acumular é na face, principalmente na parte superior, deixando o paciente com uma situação conhecida como “face em lua cheia”, que é tipo um smile da vida real, só que ao invés de amarelinho, é avermelhado, devido ao acúmulo de sangue nos vasos, condição chamada face pletórica.  O crescimento exagerado do abdome causado pela deposição de gordura gera estrias abdominais, provenientes do rompimento e cicatrização das fibras de colágeno da pele. Essas estrias são clássicas por serem grandes, numerosas e avermelhadas.

O aumento da gliconeogênese no fígado gera um aumento da glicemia, que, casado com a secreção aumentada de aldosterona (hormônio também produzido na suprarrenal), gera um aumento da pressão sanguínea. A resistência à insulina, induzida pelo cortisol, causa a intolerância à glicose, ou seja, um quadro de Diabetes Mellitus, notável facilmente em 20% dos casos.

Na mulher, essa hipersecreção pode gerar ainda conseqüências dos hormônios esteróides androgênios, também produzidos nessas queridas suprarrenais. O aspecto tipo é o maior aparecimento de pêlos (hirsutismo), acne facial e amenorréia ou oligomenorreia (ausência ou diminuição do fluxo menstrual).

Os sintomas mais gerais, obesidade, diabetes, hipertensão e osteoporose, são bem inespecíficos. Entretanto, a presença das estrias abdominais e a freqüência de aparecimento de hematomas ajudam bastante a diagnosticar a síndrome.

 

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?

Basicamente, você tem que demonstrar o alto nível de cortisol circulante e a incapacidade de suprimir a secreção de cortisol quando o nível de glicocorticóides no sangue está alto. Depois de diagnosticada a síndrome, os próximos testes são feitos para achar a fonte do problema.

Para verificar os níveis de cortisol, existe um teste clássico, que parte do princípio de que, se houve muito glicocorticóide no sangue, isso serve como um aviso pra hipófise para de secretar ACTH, porque não precisa de mais cortisol no sangue. Simples né?

Aí você manda seu paciente tomar um comprimidinho de 1mg de dexametasona, um glicocorticóide potente, à meia-noite, e pede pra ele coletar sangue e urina às 8 da manhã. Os níveis de cortisol sanguíneo e urinário TÊM DE TER DIMINUÍDO. Se diminuiu, ok, tá tudo bem, abra um espumante e peça uma tábua de frios. Se não diminuiu, ou diminuiu pouquinho, significa problema. A gente só não sabe onde está ele, mas existe um problema.

Aí começam as investigações para buscar o causador da discórdia no organismo. Você pode começar relacionando os níveis de cortisol sanguíneo com os níveis de ACTH. Se não houver um aumento correlativo, isso significa que as glândulas estão trabalhando a mais sem serem mandadas, ou seja, existe um tumor na suprarrenal, que deve ser procurado em exames de imagem. Agora, caso se verifique uma correlação entre os hormônios, alguém tá mandando a glândula trabalhar. Pode ser a própria hipófise, ou pode ser um tumor de secreção ectópica. Para tirar a dúvida, podemos optar por exames de imagem. Caso eles ainda sejam inconclusivos, aí a gente parte pra uma técnica bem interessante, que é a análise do sangue proveniente de uma veia específica do cérebro, chamada seio petroso, que recolhe os hormônios secretados pela hipófise.

O cateterismo seletivo do seio petroso recolhe o sangue dessa veia, rico em hormônios do EHH. Aí você mede o que vem de lá. Se os níveis de ACTH na amostra estão baixos, então o ACTH está vindo, na verdade, de outro lugar, ou seja, secreção ectópica.

 

E O TRATAMENTO?

Se for o caso de um tumor nas próprias glândulas suprarrenais, o tratamento é cirúrgico, se for possível. Você explora a glândula e remove o tumor. Infelizmente, a maioria dos pacientes portadores de carcinoma suprarrenal morre dentro de 3 anos após o diagnóstico, mesmo com intervenção cirúrgica, devido a metástases para o fígado e pulmões. Existe uma droga que serve como inibidora da produção de cortisol e esteróides suprarrenais, que é o mitotano, muitíssimo semelhante – pasmem – ao DDT. Pra quem sabe química, eles são isômeros. Tóxico, nem um pouco, né? A vantagem dessa droga é que, ao inibir o trabalho da glândula, inibe também a reprodução celular e diminui a possibilidade de metástase.

Agora, se o caso é um tumor produtor de ACTH, temos duas possibilidades. Primeiro, um tumor de secreção ectópica. É um caso complicado, tornando-se necessário achar o tumor e avaliar a possibilidade de remoção, tratamento e realização de metástases. Um tratamento, em certo ponto controverso, é a adrenalectomia, ou seja, a remoção das glândulas suprarrenais. O raciocínio é mais ou menos esse: se alguém tá mandando elas trabalharem e a gente não pode parar esse chefe, então a gente demite o empregado e não vai ter ninguém pra cumprir as ordens. Não é difícil perceber que esse tratamento é bastante agressivo e diminui bastante a sobrevida. Existe a chamada suprarrenalectomia clínica, que consiste na administração de medicamentos, como o cetoconazol, mitotano ou metirapona, que inibem o trabalho da glândula sem a necessidade de intervenção cirúrgica.

Segundo, se o caso é um tumor hipofisário, existe sempre a possibilidade de realização da cirurgia de retirada, chamada transesfenoidal. Aquela do nariz, que eu falei lá em cima. Apesar de simples, esse tratamento tem a questão do acompanhamento a longo prazo para avaliar a volta de um tumor, como já foi dito, e pode ser complementado por radioterapia também, além de remedinhos que inibem a produção hipotalâmica de CRH, que são os antagonistas hipotalâmicos da serotonina e os inibidores da GABA-transaminase, só pra citar.

 

Cirurgia transesfenoidal: tá vendo aquela bolinha branca escrito "pituitary gland"? Essa é a hipófise :)

 

QUE LEGAL :)

Também acho! Agora, é importante lembrar aqui que esse blog é feito por calouros do curso de Medicina da UnB. Ou seja, ISSO NÃO É UM CONSULTÓRIO MÉDICO. Caso você note algum dos sintomas citados nesse ou em outro post qualquer do Blog de Corticóides, PROCURE UM MÉDICO DE CONFIANÇA. As doenças e disfunções abordadas aqui são descritas de maneira superficial, com ênfase na bioquímica da coisa, não dá pra se auto-diagnosticar, nem aqui nem em site nenhum, ok? Mas, de qualquer forma, caso haja alguma dúvida ou observação sobre o assunto, pode falar com a gente através dos comentários!

Insuficiência adrenal, costeletas e a palavrinha mágica.

Tudo começou há um tempo atrás (precisamente 156 anos), na Ilha do Sol (leia-se Inglaterra).

Thomas Addison foi esse senhor aí, portador de belíssimas e invejáveis costeletas. Em 1855, enquanto nosso país decidia se largava ou não a escravidão, nosso camarada descrevia, no auge de seus 62 anos, um quadro clínico característico de insuficiência das glândulas suprarrenais, situação que se tornou conhecida como Doença de Addison. Cinco anos mais tarde, Addison decidiu que não queria mais lidar com seus desgostos de viver e pôs o fim a uma vida dedicada à pesquisa e à docência na Medicina, pulando do alto de seu apartamento e mergulhando de cabeça numa piscina de concreto.

Belas costeletas nunca saem de moda.

Ok, agora engole esse choro e presta atenção que a gente vai conversar sobre a Doença de Addison, causada basicamente porque as glândulas suprarrenais estão funcionando pouco, ou não estão funcionando.

Vamos começar aprendendo um negócio: existe a insuficiência adrenal primária e a secundária. Para aprender a diferenciar, primeiro você tem que saber isso aqui:

  1. A gente sabe que as suprarrenais funcionam a partir das ordens de um hormônio chamado adrenocorticotrófico, ou simplesmente ACTH.
  2. Quem produz esse hormônio é uma parte do nosso cérebro, a hipófise, a partir das ordens de uma outra parte, o hipotálamo, constituindo uma dupla carinhosamente chamada de eixo hipotalâmico-hipofisário, que controla mais um monte de outros hormônio e outras glândulas.
  3. Sendo assim, o nosso eixo aqui é o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, porque estamos estudando a influência dessa dupla sobre as suprarrenais, sacou?

Beleza pura então. Agora vamos nessa:

A insuficiência primária se caracteriza justamente pela disfunção específica das glândulas adrenais. Ou seja, o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal tá mandando ACTH pro sangue, fato que pras suprarrenais deveria funcionar como um recadinho escrito “vá trabalhar, suas quengas”. Mas não. As glândulas simplesmente ignoram a presença desse hormônio e não trabalham nem com a muléstia.

Já a insuficiência secundária acontece a partir de um defeito no eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, que não produz ACTH suficientemente. Ou seja, as glândulas suprarrenais estão lá, tomando uma água-de-côco, comendo um camarãozinho, fuçando o facebook delas, já que ninguém as manda trabalhar.

Até aí, beleza né?

Agora vamos falar de algumas das causas. Essa parte vai ser um pouco mais técnica e sucinta, porque se eu for explicar com detalhes tudo de cada causa, gastaria bem uma vida pra cada uma delas, e infelizmente eu só tenho sete, digo, uma. Então se prepare, aumente seu som e não durma, por favor.

Causa genética

Uma causa genética bem comum em crianças é a hiperplasia adrenal congênita, doença autossômica recessiva, causada por uma deficiência enzimática na síntese do cortisol. Outros fatores genéticos menos notados também são responsáveis, entre eles a insensibilidade ao ACTH e defeitos da biossíntese do colesterol, que serve como precursor dos corticóides endógenos. É importante lembrar também da adrenoleucodistrofia e da adrenomieloneuropatia, causas um tanto raras de Doença de Addison.

Causa auto-imune

Essa é mais interessante. É detectada facilmente em um exame histopatológico, ou até mesmo pela presença de auto-anticorpos no sangue, principalmente dois deles, que servem como marcadores dessa etiologia específica: os auto-anticorpos anti-córtex adrenal e os auto-anticorpos anti 21-hidroxilase, uma enzima importante da síntese de glicocorticóides. Esses anticorpos marcam pra morrer as células do córtex adrenal, chamando um infiltrado de células do sistema imune pra glândula, gerando um aspecto diferente do órgão num exame de imagem, uma perda da arquitetura padrão da suprarrenal. A morte celular na adrenal permite o fibrosamento nos nódulos celulares, até que sobre, de funcional, somente a medula. Tá achando triste? O pior é que 40% desses casos vêm com um pacote completo de doenças auto-imunes endócrinas, caracterizando uma síndrome poliglandular autoimune, objeto de extenso estudo da área da Endocrinologia. Só de curiosidade: entre as doenças incluídas nessa síndrome, estão algumas popstars, como diabetes tipo 1, tireóide de Hashimoto, hepatite crônica e esclerose múltipla.

Infecções

Isso mesmo, infecções! Tem uma infecção que é famosa por ser causadora da Doença de Addison, que é a paracoccidioidomicose (eu sei que você parou de ler a palavra no meio, rapá, tá pensando que eu nasci ontem? Volta e relê. Agora.). Sabe-se que 5 a 10 porcento dos casos dessa infecção fúngica sistêmica têm insuficiência adrenal como patologia secundária. A própria tuberculose também é a causa de 17 a 20 porcento dos casos de Addison. O trofismo da infecção para a nossa querida glândula se dá justamente, vejam só, por causa do acúmulo de glicocorticóides no órgão, o que diminui drasticamente sua atividade imunológica.

Pasmem, garotada: AIDS também pode causar um quadro de insuficiência adrenal a partir da facilitação de infecções oportunistas como citomegalovirus, algumas bactérias e protozoários. Pra você ter uma idéia, 18% dos pacientes com AIDS apresentam considerável hipofunção do córtex adrenal.

Câncer

Não necessariamente na própria glândula, veja bem. Setenta porcento dos casos de câncer maligno de pulmão e mama contam com infiltração neoplásica para as adrenais. Outras metástases, como cânceres no rim, cólon ou estômago também podem gerar complicações nas suprarrenais, ainda que sejam casos menos comuns. Carcinomas hipofisários também têm potencial de desregular o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, juntando ao quadro outros distúrbios em secreções hormonais controladas pelo mesmo mecanismo.

Os mecanismos pelos quais os diversos tipos de insuficiência adrenal se estabelecem são bem complexos e estão explicados aqui de maneira bem breve e resumida, ok? Para cada um deles é possível achar vários artigos.

Agora, com vocês, uma parte mais legal do post: os sintomas e achados clínicos!

Sintomas gerais

Uma dificuldade clínica é justamente esse diagnóstico. Os sintomas são bem inespecíficos, incluindo mal-estar, fraqueza, falta de apetite, perda de peso, queixas gastro-intestinais como vômitos, diarréias e dores abdominais. A falta de mineralocorticóides pode vir a causar hipotensão, desmaios ou tontura, desidratação ou até choque cardiocirculatório.

O ACTH sanguíneo, a pigmentação cutânea e a insuficiência adrenal primária.

Agora pensa comigo: nos casos de insuficiência adrenal primária é natural que a ordem do eixo hipotalâmico seja dada com mais rigidez, não é? É tipo quando seu patrão grita com você pra ver se você faz logo o serviço. É justamente o que acontece: os níveis de ACTH no sangue são maiores que os valores de referência, denotando uma preguicinha do córtex adrenal, clinicamente chamada de resistência hormonal. Só que o ACTH é um hormônio que aumenta, indiretamente, a atividade dos melanócitos. É isso mesmo que você tá pensando, pode falar no microfone, meu garoto: a manutenção de um alto nível sérico de ACTH causa hiperpigmentação cutânea. Meus parabéns. Esse é um achado semiológico importantíssimo para excluir um caso de insuficiência secundária, causada por disfunção hipofisária. Curtiu né? Eu também.

O exame de sangue do camarada

Se você suspeita de Addison, não é surpresa nenhuma encontrar:

  • Níveis inferiores de cortisol basal
  • Níveis superiores de ACTH (caso seja insuficiência primária)
  • Hiponatremia (pouco sódio, já que a produção de aldosterona seria insuficiente)
  • Hipercalemia (muito potássio, porque a aldosterona, que promove a excreção de desse mineral, tá em falta)
  • Hipoglicemia (gerada pela falta do cortisol no organismo)

O teste do ACTH exógeno, a técnica da “palavrinha mágica”.

É bem aquele caso em que você fala pra alguém fazer algo e a pessoa não faz. Um método eficaz é o uso da palavrinha mágica. Acontece assim: seu chefe diz “Eduardo, já terminou o relatório que eu pedi de manhã?” O Edu manda “Ainda não, mas to terminando”. A situação se repete mais umas duas vezes durante o expediente, até que, no final, o chefe perde a paciência e mete a palavra mágica: “Eduardo, são 17:40 e você ainda não terminou esse relatório, porra?”. Edu finaliza o documento nos próximos 2 minutos. É a mesma ordem de antes, só que reforçada com uma dose extra de autoridade.

Agora, pensa que se o ACTH, que é a ordem da hipófise pra adrenal, não tá dando conta do recado, você pode engrossar o caldo e dar sua “palavrinha mágica” bioquímica, que é esse procedimento. O teste consiste na administração endovenosa de uma dose suprafisiológica (leia-se cavalar) de ACTH exógeno, na forma de um medicamento chamado Synacten. Ao administrar o hormônio, espera-se que o córtex da suprarrenal responda ao comando exercendo sua função, ou seja, produzindo, principalmente, glicocorticóides. Sendo assim, espera-se um aumento significativo nos níveis séricos de cortisol, justamente por causa dessa ordem reforçada. Se você tacou ACTH e a adrenal respondeu com um aumento tímido, quase nada, aí pronto, já sabe de quem é a culpa. Só pode ser do empregado preguiçoso, ou seja, da suprarrenal que não responde às ordens hormonais, caracterizando insuficiência adrenal primária.

E se fosse insuficiência secundária?

Aí, meu caro mancebo, o negócio é um pouco diferente. Diferente, mas não difícil.

Primeiro de tudo: a insuficiência adrenal secundária é mais rara. E é bem normal, como eu diss

e ali em cima, vir acompanhada de outras disfunções que problemas do eixo hipotalâmico-hipofisário podem trazer. Pra confirmar de vez, tem um teste supimpa que consiste em induzir a hipoglicemia no paciente, a partir de uma injeção de insulina. O que a gente espera é que diminuição da taxa de açúcar no sangue estimule o eixo hipotalâmico a secretar ACTH, ordenando as suprarrenais a secretarem cortisol, que vai aumentar a glicemia, corrigindo o efeito da insulina exógena. Se o procedimento retornou um resultado diferente disso, você não verificou nenhum foco de hiperpigmentação cutânea e confirmou uma taxa baixa de ACTH no sangue, pronto, pode crer que a causa da doença é secundária.

O tratamento

Sinto lhes dizer, mas isso aqui é que nem House, o seriado. O brother sofre, sofre até não poder mais, expõe todos os podres de sua vida, e depois sofre mais um pouco, pra no final tomar um remedinho de nada, um comprimidinho à toa e viver normalmente como se nada tivesse acontecido.

O tratamento pra isso tudo aí que a gente tá conversando é apenas a reposição hormonal, pura e simples. Se tá faltando é cortisol, basta tomar hidrocortisona, prednisona, prednisolona ou algum outro glicocorticóide. O tratamento é associado, claro, com reposição de um mineralocorticóide também.

Os amiguinhos portadores de Doença de Addison devem carregar sempre consigo uma identificação dessa doença, de modo que, em caso de tratamentos ou emergências clínicas, a patologia possa ser facilmente reconhecida e crises de disfunção das adrenais possam ser devidamente prevenidas.

Fontes:

Insuficiência adrenal primária no adulto: 150 anos depois de Addison

Insuficiência adrenal crônica e aguda

Sobre o cortisol, o tigre dente-de-sabre e a sua vida cotidiana.

Por que você, estudante de Gestão do Agronegócio, ou motorista de ônibus, ou estivador de um porto, ou professor de Cálculo 1, ou vendedor de pastel, deveria tirar seu tempo precioso para ler sobre o Cortisol? O que essa substância química tem a ver com a sua vida diária?

Eu, Vinicius Moreira, estou para tentar responder essa pergunta, nesse post que servirá como uma introdução ao estudo do cortisol e sua influência no nosso organismo.

O Cortisol é um hormônio (uma substância química que regula nosso organismo) produzido por uma massinha presente em cima de cada um dos nossos rins, as glândulas suprarrenais. Essa substância tem uma importância significativa justamente porque não tem uma só função. Pelo contrário, ela regula um monte de aspectos que ajudam nosso corpo a funcionar direito.

Hormônio do stress?

A patotinha que estuda esse hormônio costuma chamá-lo de hormônio do stress. Uma alcunha bem apropriada, pois nosso cérebro manda as suprarrenais produzirem cortisol e lançarem ele no sangue justamente nos momentos em que estamos estressados por algum motivo. Agora, stress do organismo, originalmente, está ligado a situações em que nossa vida está ameaçada. Sendo assim, ou você luta contra sua ameaça, ou você foge dela, a chamada resposta de luta ou fuga (em inglês fica muito mais legal: fight or flight response), que é a resposta bioquímica e fisiológica que um organismo dá quando está ameaçado. É tipo quando o seu tataravó da idade das pedras saía pra caçar e se deparava com um tigre dente-de-sabre. Subia aquela adrenalina louca, o cortisol era produzido rapidamente em cima dos rins, e 1) ou o camarada corria desesperadamente ou 2) era macho e encarava o tigre, levava pra casa e cozinhava uma bela sopa.

Que fofo, não é mesmo?

Já nos dias de hoje, o conceito de stress se ampliou bastante, afinal de contas, você não vai encontrar um dente-de-sabre faminto babando em plena Avenida Paulista, eu sei, mas vai encontrar um chefe imbecil, um filho que vai mal na escola, uma semana de 5 provas seguidas na faculdade ou 30km de trânsito congestionado bem quando você está atrasado para o trabalho. Isso é o stress da atualidade. E esse stress também estimula seu corpo a produzir cortisol.

Sabendo que a enorme maioria de nós vive uma vida estressante, que é a vida das grandes cidades, e sabendo que o cortisol é o hormônio do stress… OPA, é fácil perceber que o seu modo de viver é moldado, em boa parte, pelo cortisol que suas suprarrenais secretam na corrente sanguínea todo santo dia, não é?

Agora, se eu já te convenci da importância de entender o cortisol e suas diversas ações no corpo da gente, pode passar pro próximo post da série e dar uma olhada com calma em cada uma das funções que esse hormônio desempenha no seu, no meu, no nosso organismo.

Referências do post:

http://stress.about.com/od/stresshealth/a/cortisol.htm (acesso em 20/11/2011)

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Cortisol e glicose sanguínea: uma relação de amor verdadeiro.

Nesse segundo post da série sobre o cortisol, vamos discutir algumas das funções desempenhadas por esse hormônio no nosso organismo. Nesse texto, provavelmente vamos falar mais bioquimiquês, ou seja, uma linguagem um pouco mais técnica. De qualquer maneira, uma leitura superficial já pode trazer um entendimento muito bom sobre o papel desse hormônio nas nossas vidas.

1)      Aumento da glicose sanguínea

Esse é o chamado efeito diabetogênico do cortisol. Não que ele cause diabetes, mas simplesmente aumenta a glicemia, ou seja, os níveis sorológicos de glicose, o que faz muito sentido, já que, em situações de stress, é natural utilizarmos mais energia do que quando você está na poltrona de sua casa, ouvindo Schubert e comendo bananinha amassada. Agora, é um erro acharmos que o aumento da disponibilidade de glicose no sangue servirá para todos os nossos órgãos trabalharem mais. Essa hiperglicemia induzida se dá para que o cérebro utilize essa energia, já que ele sozinho é responsável por 10% a 20% do consumo energético no nosso dia-a-dia.

Ok, agora como você sabe que essa glicose não é para os outros tecidos do corpo?

Então, esse aumento na taxa glicêmica se dá justamente porque o cortisol inibe a absorção de glicose nos tecidos. Alguns estudos demonstram que a manutenção dos níveis séricos de cortisol relativos a estados de stress prejudica a função dos transportadores celulares de glicose (GLUT4), que funcionam à base de insulina. Daí a resistência periférica à insulina, que é mais um motivo para chamarmos o cortisol de diabetogênico.

Beleza, mas de onde o cortisol arruma essa glicose toda?

O aumento da glicemia causado pelo cortisol vem da gliconeogênese, que é um processo de transformação de aminoácidos (resíduos de proteínas), de lactato e de glicerol (resíduo da degradação de lipídeos) em glicose. Nosso querido hormônio estimula e potencializa praticamente todas as etapas da via gliconeogênica no fígado. E só no fígado, já que, se fosse no músculo, a glicose produzida se destinaria apenas a ele, e não ao sangue.

Ok, vamos lá, pensa comigo: o cortisol aumenta a gliconeogênese. A gliconeogênese transforma, entre outras coisas, proteína em açúcar (glicose). Para a proteína virar glicose, eu preciso antes quebrá-la em pedacinhos, os aminoácidos. Sendo assim, o cortisol promove a quebra de proteínas, certo? CERTO, MEU GAROTO! O cortisol é um hormônio proteolítico, estimulando a degradação proteica especialmente nos músculos, onde a gente tem proteína pra dar, vender e alugar.

Agora pensa comigo de novo: O cortisol aumenta a gliconeogênese. A gliconeogênese transforma, entre outras coisas, glicerol em glicose. O glicerol é proveniente da degradação de triacilgliceróis, a forma mais comum de gordura no corpo. Sendo assim, o cortisol promove a quebra de gorduras, certo? CERTO, MEU AMIGÃO! É corretíssimo dizer que o cortisol é um hormônio que estimula a lipólise, sim. O glicerol é utilizado na gliconeogênese hepática e os ácidos graxos restantes são oxidados para gerar energia para os vários outros tecidos, incluindo os nossos músculos.

Tá, mas e o lactato?

Outra coisa interessante a ser dita sobre a gliconeogênese estimulada pelo cortisol é a via de utilização do lactato, vulgo ácido láctico. Em situações de stress, é esperado que utilizemos bastante os nossos músculos. Só que, não raro, a taxa de oxigênio disponível para oxidação completa da glicose não é suficiente nesses tecidos, nessa situações. Por isso, o músculo acaba entrando, em parte, na via metabólica da degradação anaeróbia da glicose, gerando e acumulando o lactato, que pode ser prejudicial ao correto funcionamento desse tecido dependendo de sua concentração. A vantagem que temos aí, quando o cortisol estimula a taxa de gliconeogênese, é que essa função serve como um escoamento para o lactato muscular, evitando os efeitos indesejáveis do seu acúmulo, entre eles as dores musculares, que podem fazer com que você, fatalmente, venha a sentir os perdigotos de saliva daquele tigre dente-de-sabre do primeiro post.

Gostei, agora quero mais!

Para terminar esse momento tão lindo e emocionante, vamos concluir mais alguns outros aspectos do controle glicêmico exercido pelo cortisol.

a)      Se a gente olhar direitinho, a característica diabetogênica do cortisol se assemelha bastante aos sintomas da Síndrome Metabólica. Primeiro, a glicemia aumentada. Segundo, a indução à resistência periférica à insulina. Além desses dois, sabe-se que a manutenção dos níveis de cortisol causa o aumento da deposição de gordura abdominal, dislipidemia, microalbuminúria (excreção diminuída de albumina na urina, já que o cortisol é transportado em grande parte associado a essa proteína) e intolerância à glicose. Beleza, parece mesmo. E daí? E daí que alguns estudos têm mostrado que, no quadro de Síndrome Metabólica, é comum notar-se uma hipersensibilidade dos tecidos em relação a glicocorticóides. Entre as pesquisas para tratamentos desse distúrbio estão justamente tentativas de reduzir a concentração de glicocorticóides nesses tecidos através de manipulações enzimáticas e proteicas. Viu que legal?

b)      O que acontece quando você aumenta significativamente a concentração de uma molécula como a glicose no nosso sangue? O aumento da pressão sanguínea. É importante notar que esse não é o único mecanismo pelo qual o cortisol aumenta a pressão sanguínea, outros serão falados em outros posts. Mas sim, o cortisol é um hormônio que eleva a nossa pressão.

Nossa, parece simples! Adorei!

É claro que o estudo do papel do cortisol no metabolismo da glicose no organismo pode ser muito mais complexo. Ainda há muitos pontos a serem explicados, esclarecidos e até desvendados, mas, por enquanto, a gente para por aqui, que ainda virão mais funções pra gente conversar nos próximos posts :)

Fontes:

Uso da glicose pelo cérebro:
http://www.fi.edu/learn/brain/carbs.html
http://www.livescience.com/3186-brain-food-eat-smart.html

Clique para acessar o jcinvest00272-0077.pdf

Inibição da incorporação celular de glicose:
http://jamespendleton.suite101.com/cortisol-a106593
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17426391
http://www.vivo.colostate.edu/hbooks/pathphys/endocrine/adrenal/gluco.html

Efeito diabetogênico:
Baynes & Dominiczak, Bioquímica Médica. 1ª Edição, 2000.

Clique para acessar o 1002094.pdf

Relação do cortisol com a síndrome metabólica:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2362.2008.02067.x/abstract

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Suprarrenais? Tireóide? Bioquímica?

Glândulas Suprarrenais e Tireóide

Olá amigos :)

Somos 5 estudantes do curso de Medicina da Universidade de Brasília.
Estamos cursando, no primeiro semestre, a disciplina Bioquímica e Biofísica. Um de nossos trabalhos é editar um site sobre um tópico da matéria. Ficamos com Corticóides e Hormônios da Tireóide.

Corticóides são os hormônios que são produzidos por umas glândulas que ficam coladas nos seus rins, na parte de cima, daí o nome: glândulas suprarrenais.
Já a Tireóide é uma outra glândula que fica no pescoço, bem na garganta mesmo. Essa aí produz umas substâncias que regulam a intensidade de funcionamento do nosso corpo.

Durante esse semestre a gente vai escrever várias publicações sobre esses dois órgãos, os hormônios que eles produzem e a importância deles pra nossa vida. Acompanhando as publicações, você vai entendendo aos poucos mais um aspecto do funcionamento do nosso organismo ;)

Fiquem livres pra perguntar, através dos comentários, qualquer coisa que precisarem. Se a gente não souber responder na hora, corremos atrás, pesquisamos e respondemos depois. Correções, sugestões ou observações também serão bem-vindas.

Aí vamos nós!

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